Agricultura já acumulou sabedoria para produzir e poupar o planeta

Há cada vez mais garantias de sustentabilidade na agricultura , com a água a ser gerida de forma mais eficiente. Mas é preciso derrubar estigmas urbanos, como o relativo à construção de barragens. Na terceira de cinco Conversas Soltas, o setor garante que a sustentabilidade não é só ambiental, deve ser um equilíbrio económico, social e cultural.

Os oradores da Conversa Solta desta semana, dedicada à Sustentabilidade (uma das cinco categorias dos Prémios Notáveis Agro Santander 2020 – a entregar na gala de 25 de fevereiro), falaram da eficiência na gestão dos recursos naturais – com a água em destaque –, dos estigmas criados por uma sociedade e decisores políticos cada vez mais urbanos, do tabu da construção de novas barragens e da saúde da agricultura, que tem dado um grande contributo económico, social e cultural ao país. Além de ser altamente sustentável em termos ambientais.

Realizado nesta semana no Work Café Santander, em Lisboa, o debate centrou-se na terceira das cinco categorias dos prémios Santander, para os quais estão nomeadas 85 empresas. Já se discutiram a Inovação Tecnológica e o Empreendedorismo, seguir-se-ão os temas Exportação, a 16 de janeiro, e Jovens Agricultores, a 25 de fevereiro, dia da entrega dos troféus.

“Esse é que é o problema. A sociedade está cada vez mais urbana, a grande percentagem de deputados na Assembleia da República é eleita em círculos urbanos e cada vez menos nos círculos rurais. A sustentabilidade é um chavão. Temos de falar da sustentabilidade económica, social e cultural, não só da ambiental. E a sustentabilidade que se procura é transversal. Não afeta só o que se passa no campo”, lançou António Paula Soares, presidente da Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade.

Já Joaquim Pedro Torres, diretor-geral da Valinveste e responsável pela organização da Agrobal, falou de estigmas como o da agricultura exaurir recursos naturais. “A minha empresa trabalha na produção de milho. Há mais de 30 anos que ando nesta vida e os níveis de inputs energéticos são hoje semelhantes. Só que produzo o dobro. Deve-se muito a fatores tecnológicos, à genética e a novos produtos. Fala-se permanentemente do olival intensivo, que de intensivo não tem nada. Os olivais intensivos decuplicaram. Mas a utilização de energia não.

Os 13 nomeados

Do café e do vinho às aldeias isoladas em risco de despovoamento, passando pelas algas e cogumelos silvestres, todos estes projetos assentam em modelos sustentáveis de geração de riqueza.

Houve um grande ganho energético. A agricultura é responsável pela utilização de 80% dos recursos disponíveis. Se a agricultura usa tanta água, estão comprometidos os recursos hídricos? Não, porque as plantas não consomem água, utilizam a água e devolvem-na ao meio ambiente”, explica o agricultor. José Núncio, presidente da Fenareg – Federação Nacional de Regantes de Portugal, introduz mais dados que desmontam alguns chavões negativos para o setor. Já não se utiliza 80% da água na agricultura, mas apenas 75%. E utilizamos 9% do potencial disponível. Temos muitos recursos de água, não temos é feito muito para o ter disponível. O que se fez em Alqueva mudou completamente o setor, mudou o Alentejo”, exemplifica.

“Nos anos 60, utilizávamos 15 mil litros de água por hectare, agora apenas seis mil. Fala-se muito de intensivo e esta é uma palavra que tem de ser riscada. A cultura intensiva é aquela que utiliza com mais eficiência todos os recursos. Os sistemas de rega abrangem cerca de 555 mil hectares de terreno, sendo que em 25% se usa o sistema de rega gota a gota e apenas 25% de sistemas menos eficientes”, sublinha José Núncio. Mais importante, conferida a eficiência energética do setor, “é consumir local”. “Consumir os produtos nas épocas deles, as laranjas na época das laranjas e por aí fora. Consumir fruta da época”, insiste.

“O nosso desenvolvimento espetacular na agricultura foi à custa de quê? Da água. É um tema de regulação fundamental. Deixo um desafio ao governo: pôr a sustentabilidade climática no topo da comunicação num país que utiliza 9% dos recursos de água”, enquadrou Luís Seabra, também ele empresário e agricultor e consultor Agro Santander. “Foi anunciado o Programa Nacional de Investimentos [PNI 2030, obras públicas] com um montante de mais de 20 mil milhões de euros. Para o regadio estão destinados 750 milhões. O banco tem de olhar com muitíssima atenção para a questão da água.

O hectare de terreno agrícola vale 5 mil euros, mas com água vale cinco vezes mais e a produção aumenta muitas vezes mais”, ilustrou. Luís Seabra puxou de mais dois assuntos muito controversos e fundamentais para a eficiência agrícola: “É proibido falar de barragens, de intensivo?” Respondeu-lhe, de certa forma, António Paula Soares: “Se a construção de barragens é vista como uma solução? Sem dúvida. A curto e a médio prazo, se não conseguirmos armazenar a água, vamos ter problemas. E se não dermos capacidade aos agricultores para se fixarem nos seus territórios e continuarmos a fechar a torneira [do financiamento estatal], vai ser mais difícil.

A sociedade está cada vez mais urbana e está-se a impor no processo de legislação”, diz o dirigente da associação que reúne proprietários rurais, caçadores e outros agentes do mundo rural. “Com o Alqueva, nasceu uma agricultura viável, intensiva. Há mais coisas a fazer, mas não vale a pena falar nelas sem replicar aquilo de que precisamos. A cultura intensiva e o regadio são indispensáveis para um país sustentável”, conclui Joaquim Pedro Torres.