Sem ideias inovadoras, a agricultura não sobrevive. É ponto assente, mas a inovação não cresce espontânea nas árvores ou nos campos de cultivo. Investigação, organização e qualificação são as três forças que precisam de estar reunidas para provocar a mudança. E é tendo presente este triplo desafio que a primeira de cinco Conversas Soltas entrou no Work Café do Santander, em Lisboa, e marcou nesta semana o tom do debate, que serviu para apresentar as 11 empresas finalistas na categoria de Inovação Tecnológica dos Prémios Notáveis Agro Santander 2020. Estes 11 casos selecionados pelo júri serão bons testemunhos de como, recorrendo a
soluções tecnológicas inovadoras, foi possível superar as metas de produção sem comprometer a qualidade nem aumentar os custos ou sequer colocar em risco o equilíbrio ambiental.
Esse é o caminho, apontam os quatro participantes do debate moderado por Nicolau Santos, jornalista e presidente do conselho de administração da Lusa. Mas este é também o salto que ainda não aconteceu. A revolução pode até estar em marcha, ressalva o presidente da INOVISA – do Instituto Superior de Agronomia. A mudança vê-se, aliás, nas dezenas de centros, laboratórios, startups ou universidades que promovem projetos inovadores: “Mas, se estivermos atentos, descobrimos que a inovação está circunscrita a grupos e regiões muito delimitados”, avisa Luís Mira da Silva. Tudo bem peneirado não são mais do que 10% a 15% do total do setor: “O desafio agora é conseguir replicar o seu modelo de forma a disseminar essas práticas.” E não é apenas olhando para agricultura biológica, mas sobretudo procurando a sustentabilidade dos modos convencionais. É essa a via que alimenta a população, adverte o fundador do projeto Milho Amarelo. “Os consumidores, por muito bem-intencionados que sejam, não conseguem suportar os custos dos alimentos biológicos”, avisa João Coimbra. E, como tal, trata-se de uma “obrigação ética” produzir agricultura de boa qualidade e acessível a todos.
O Milho Amarelo poderia ser um bom exemplo. Mais do que um projeto, é uma alternativa de gestão da biodiversidade de baixo custo, que usa recursos internos e que quer replicar o seu modelo noutras explorações intensivas de milho no Vale do Tejo. É um objetivo que tanto pode ser ilustrado com colmeias de abelhas colocadas junto dos campos para ajudar na polinização, como usando o superpoder das minhocas para revolver a terra e substituir as máquinas: “Não é romantismo, é a ciência a ajudar a agricultura.” Mas se há setor que pode mostrar algum caminho, é o da hortofruticultura. Mais concretamente o tomate, sugere o presidente do Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional.
É preciso disseminar e partilhar as boas práticas
O modelo de produção está suportado na tecnologia, mas é a capacidade de organização do setor que faz a diferença. As parcelas dos campos estão uniformizadas, os sistemas de produção são eficazes e replicados em todos os casos”, explica Paulo Águas. Resumindo, é um setor organizado e não será por acaso que é também onde surgem mais startups e jovens agricultores a desenvolver soluções para racionalizar os recursos hídricos: “A gestão da água exige um grau de profissionalismo que ainda não existe, mas será o que vai permitir atingir produção recordes com metade dos recursos.”
Organização aliada à tecnologia é o trunfo dos mercados mais competitivos, avisa Luís Mira da Silva, mostrando o caso dos agricultores californianos, que difundiram os seus métodos de cultivo por todos os produtores: “Fazem todos os mesmo, mas a nível europeu ainda se está na fase dos experimentalismos.”
Mas não basta ter a melhor investigação ao dispor da agricultura se não se investir na formação.
Esse é um grande desafio, defende João Coimbra, relembrando a dificuldade das universidades em acompanhar a inovação em tempo real: “Assim que um estudante sai da faculdade já a tecnologia evoluiu o suficiente para justificar uma nova formação do recém-licenciado.”
A inovação é uma vertigem acelerada, mas é também o novo paradigma da agricultura, conclui Miguel von Hafe, responsável pelo Gabinete Agroalimentar do Santander. E esse é também um desafio para a banca, que teve de se adaptar para apoiar projetos inovadores: “Antes eram as máquinas que eram financiadas, hoje são ideias.” Fazer a análise de risco da inovação não pode estar sustentada nos mesmos pressupostos: “A produção baseada na tecnologia e na ciência é o caminho para identificar os bons projetos, mas acreditamos no casamento entre a inovação e a tradição.” E os empreendedores não são “necessariamente” os mais experientes, mas aqueles que viajaram pelo mundo e regressaram com “ideias inspiradoras.”