A agricultura já despiu há muito a imagem gasta do pastor agasalhado por uma samarra e apoiado num cajado. O setor está num processo intenso de modernização, atraindo o interesse do capital de risco e da banca tradicional. Disso mesmo falou o administrador do Santander, Miguel Belo de Carvalho, que assumiu ser este setor uma grande aposta do banco, com uma rede de especialistas espalhados pelo país para apoiar projetos agrícolas, que neste momento têm uma forte concentração no Alentejo. Miguel Belo Carvalho, que falava nesta quinta-feira no arranque da segunda Conversa Solta, no âmbito dos Prémios Notáveis AgroSantander 2020, referiu que a agroindústria é uma área estratégica a nível mundial e que o banco está presente em quatro continentes.
Ainda há muitos montes por desbravar, defenderam os quatro oradores do debate, mas um dos desafios mais prementes é o recrutamento e a fixação de talentos em zonas menos metropolitanas de Lisboa ou do Porto. Realizado no Work Café Santander, em Lisboa, o debate centrou-se na segunda das cinco categorias dos prémios Santander, o Empreendedorismo (já se discutiu Inovação Tecnológica, seguir-se-ão Sustentabilidade, Exportação e Jovens Agricultores). Além das grandes oportunidades de negócio dentro do setor (do potencial para criar clusters de amêndoa ou de canábis), da dialética ainda pouco afinada entre empreendedores e investidores na partilha das posições no negócio (uns não querem ceder controlo, os outros não sobem patamares de financiamento sem parte desse controlo), foi o recrutamento e a sua complexidade em termos
estruturais para atrair e reter recursos humanos que dominou a conversa entre João Mendes Borga, coordenador da Rede Nacional de Incubadoras – RNI – e diretor da StartUP Portugal, João Pedro Borges, diretor do CEI – Centro de Empresas Inovadoras, Luís Mesquita Dias, diretor-geral da Vitacress Portugal, e Rita Sousa Uva, do gabinete Agro Santander.
O debate sobre recrutamento nasceu com uma pergunta do moderador, Nicolau Santos. Perguntou o presidente da Agência Lusa: “Como é que fora dos grandes centros se constrói uma cultura de empreendedorismo?” A primeira resposta ilustrou como as empresas podem criar relações laborais mais flexíveis e motivadoras. “A leitura que faço assenta nos últimos dez anos”, começou por situar Luís Mesquita Dias. “Vivemos um clima de empreendedorismo, mas uma chefia avessa ao risco e excessivamente hierárquica não o fomenta.
A informalidade que temos no funcionamentonão haver barreiras na comunicação, ajuda muito a aumentar a motivação. Tratar as pessoas pelo primeiro nome pode parecer detalhe, mas cria relaxamento e bom ambiente de trabalho”, apontou o presidente da Vitacress, sediada no Alentejo. “Mas há dificuldade em encontrar talento em Odemira. É uma cidade que está quase na costa, mas é do interior ao nível das carências de serviços de saúde e de educação”, lamentou o empresário.
“As coisas começam a mudar. Há gente a mudar-se dos grandes centros para Castelo Branco”, admitiu João Pedro Borges, diretor do CEI, ali sediado. “Já é visto como um território em que o empreendedorismo existe. Mas a falta de quadros, de recursos humanos, é um problema do interior, mas de todo o país”, disse. “Temos de recrutar fora do país para dar seguimento ao investimento tecnológico. Se até há uns tempos a questão principal era atrair investimento, não o deixando de lado, agora estamos focados em criar um território que atraia pessoas pela qualidade de vida”, sugeriu. “Atrair programadores do Brasil, por exemplo. A segurança é altamente importante, mas se não houver oferta de ginásios e sushi ou comida asiática, se a rede de transportes públicos não for boa, optam por outros territórios. Esse é o próximo desafio”, defendeu.
“As startups focam-se em resolver um problema. A informalidade advém da necessidade de resolver esse problema depressa. Por isso, os quadros precisam de outra motivação. O burn-out é muito comum em pessoas que trabalham muitas horas, mais do que era suposto e por isso são necessários complementos fora do trabalho”, explicou João Mendes Borga. Rita Sousa Uva, do Gabinete Agro Santander, disse que “o empreendedorismo é altamente valorizado pelo Santander”, que tem “uma visão muito clara” de que “tem uma grande capacidade de criar valor”. Por isso, também, a relevância de criar territórios que sejam atrativos e respondam aos problemas sociais e culturais das comunidades em que os talentos se podem fixar. “A nossa rede permite-nos criar investimento nas zonas mais improváveis. Os agricultores estão mais organizados em todas as fases do negócio”, vincou Rita Sousa Uva.
E conclui João Pedro Borges: “O pastor não é aquele que anda na serra de cajado. A imagem é outra. Precisa da movida cultural. Não é só acessos, é muito mais do que isso. Os territórios que não se prepararem não evoluirão.”