A agricultura é uma atividade do presente e com futuro, garante o presidente do Instituto Superior de Agronomia (ISA). Significa isto que os jovens agricultores não podem mais guiar pela bitola do passado. A tecnologia e a inovação têm de estar ao serviço da produtividade e da competitividade, é certo, mas terão também de ser a resposta para os novos desafios ambientais como períodos prolongados de seca, as mudanças dos hábitos alimentares ou escassez dos recursos hídricos.
Hoje, os jovens agricultores estão inseridos num setor em plena revolução tecnológica, ou ainda não?
Não tenho dúvida de que a revolução tecnológica, ou aquilo a que chamamos “Agricultura 4.0”, com todos os novos conhecimentos, na área da automação, da robótica, da realidade aumentada, estão absolutamente presentes naquilo que vão ser os próximos dez a 15 anos da agricultura portuguesa.
Qual o papel dos jovens agricultores neste setor? São mais ou menos face ao passado? Que retrato é possível fazer?
Os jovens agricultores representam cerca de 10% dos produtores agrícolas da Europa, essa percentagem será menor em Portugal, segundo algumas estatísticas. Mas, a agricultura também está em mudança e creio que este é um setor muito interessante para os que procuram um percurso profissional diferente e com benefícios para o rendimento. A agricultura está em crescimento e a atrair investidores, entre os quais os jovens.
Há muitos alunos a escolher estes cursos?
Nós preenchemos sempre as vagas, numa média de 60 a 70 alunos por ano. Portanto, é sinal que temos sempre procura.
Que desafios tem um jovem agricultor?
Com o mundo cada vez mais global, a agricultura vai atrair mais jovens que hoje têm imensos desafios, não só a nível local como geral. Nós temos procurado fazer uma aposta forte na agricultura tropical, sobretudo no domínio da tecnologia, não só em países de expressão portuguesa mas também noutras zonas que precisam de ganhar competências na área agrícola. A Europa é um outro mundo. Apesar de a questão da produtividade ser importante, as novas tecnologias e a sustentabilidade são aspetos essenciais, que devem ser articulados com a agricultura. Há vários domínios em que as ciências agrárias têm um impacto muito positivo.
Há elevado nível de empregabilidade?
Os níveis de empregabilidade são bons. Nós até temos alunos que, após a licenciatura de três anos, começam a trabalhar antes de completar o mestrado porque há oferta nesse domínio. Portugal evoluiu muito e, nos últimos dez anos, em particular, houve um momento de mudança no setor agrícola que passou a exigir mais profissionais.
O Alqueva contribuiu para essa mudança?
O Alqueva é um projeto muito interessante e benéfico para o setor agrícola nacional, não há dúvida. Mas o Alqueva levanta outra questão que é a de uma melhor gestão dos recursos hídricos para ser possível enfrentar fenómenos extremos, como a seca. O Alqueva tem sido uma boa solução, mas exige também outros tipos de respostas para a procura que tem sido intensa.
“Apesar de a questão da produtividade ser importante, as novas tecnologias e a sustentabilidade são aspetos essenciais, que devem ser articulados com a agricultura.”
Significa que deve haver novas barragens?
A questão das barragens é um tema diferente. O mais importante é o uso eficiente da água que vem de diferentes origens. São as águas superficiais e subterrâneas que têm de ser devidamente geridas. E as culturas têm de estar não só adaptadas ao solo mas também à água disponível. Este é o aspecto mais importante. Os reservatórios superficiais são uma das soluções? Sim, em alguns casos, mas são só uma ferramenta num processo mais vasto que é o uso eficiente da água.
A esse nível que desafios têm os jovens agricultores?
É necessário que tenham uma noção das ferramentas tecnológicas ao dispor deles para aumentarem a produtividade. Que percebam também que as palavras sustentabilidade e biodiversidade são centrais na sua atividade. E, por fim, que saibam que sem inovação e competitividade não vão longe. Esta é, para mim, a conjugação do sucesso.
E o Estado poderia fazer mais por eles?
Diria que o Estado pode ter um papel de facilitador, de regulador. E também um papel de apoio à inovação, encorajando e criando condições. Há ainda uma vertente essencial que passa por regular as políticas públicas que promovam a sustentabilidade ambiental em articulação com a produtividade agrícola. Mas, o mais importante é o que os jovens agricultores desejam fazer e não tanto o Estado.
E qual o lugar do setor privado?
Nesse domínio, o Estado é apenas um elemento acessório, é importante que não crie entraves e que possa apoiar com políticas públicas corretas, mas não é o seu driver. Mesmo em relação a fundos comunitários, tenho uma perspetiva muito empresarial nessa matéria. Os projetos têm de ser desenhados para serem imunes à dependência do apoio estatal. Ou seja, um projeto agrícola tem de ser rentável por si mesmo.
O que deve ser valorizado na atribuição de um prémio?
Acho que quem se candidata a um prémio neste setor, precisa de demonstrar que utiliza a tecnologia. A questão tecnológica é essencial e nela é importante a inovação. A nível de sustentabilidade ambiental, uma carta agrícola será naturalmente analisada e, claro, a questão da inclusão social, do emprego, será o terceiro pilar nesta abordagem. São os aspectos mais relevantes: tecnologia, inovação, sustentabilidade e inclusão social.
Como olha para o futuro destes jovens agricultores?
Acredito que os jovens têm um futuro que, em primeiro lugar, depende deles, mas vejo muitas oportunidades para esta nova geração de agricultores. Há imensos desafios cujas respostas estão essencialmente nas mãos deles. A alimentação está a mudar, temos uma consciência mais clara das consequências dos impactos ambientais e sociais e os jovens agricultores têm aqui uma oportunidade para valorizar as suas competências. A Fundação para a Ciência e Tecnologia e o governo têm vindo a apoiar a existência de infraestruturas que são os COLABS, na área agrária. Parece-me um exemplo muito interessante, porque promove a inovação e, ao ser um aglutinador multissectorial, pode ajudar a agricultura a encontrar a tal capacidade de inovação.